O DIRETOR


O Grande Niestévisky já foi diretor de um hospício. Começou de baixo, ainda como um simples interno, mas foi sendo gradativamente promovido até que atingiu o ponto mais alto da instituição, a diretoria. No entanto, o Mestre não aguentou o cargo por muito tempo. Era um trabalho muito cansativo e complicado. A toda hora aparecia algum novo problema, ou reaparecia algum problema velho.
Niestévisky tentou, bravamente, continuar no emprego, precisava do dinheiro, mas certa vez aconteceu algo que o fez desistir definitivamente de tudo aquilo e ele acabou pedindo demissão, ou, para ser mais preciso, simplesmente abandonou o cargo e nunca mais apareceu na cidade.


Um dia, ao chegar em casa, vindo do hospício, Niestévisky percebeu que havia esquecido alguns papeis importantes no seu escritório. Como precisava deles com urgência, resolveu ligar para lá e pedir que alguém trouxesse os documentos até a sua casa. O resultado daquele fatídico telefonema foi o seguinte:


Hospício: Alô, aqui é do hospício.
Niestévisky: Sou eu, Niestévisky. João, é você? (João era o secretário do hospício)
Hospício: Não, sou o Antenor.
Niestévisky: Antenor?... O interno?!!!
Antenor: Sim seu Niestévisky, sou eu mesmo.
Niestévisky: Mas o que você está fazendo aí? Cadê o João?!
Antenor: João saiu.
Niestévisky: Saiu? E foi para onde?
Antenor: Sei lá, não falou. Apenas abriu a janela é saiu voando. Acho que era urgente.
Niestévisky: Puta que pariu! Antenor, você não estava confinado na sala acolchoada?
Antenor: Tava sim, seu Niestévisky. Mas lá dentro tava muito calor, tão calor, que eu acabei derretendo e vazando pela fresta da porta.
Niestévisky: (tentando manter a calma) Me chama algum dos funcionários, alguém que esteja responsável pelo hospício, rápido!
Antenor: Pois não, só um momento. Alô, pode falar.
Niestévisky: Alô, quem fala?
Antenor: Antenor, seu criado.
Niestévisky: Antenor, sai do telefone e me chame alguém, sei lá, um enfermeiro, um médico, o porteiro, qualquer um!
Antenor: Não dá, o pessoal tá meio ocupado aqui.
Niestévisky: Fazendo o quê?!
Antenor: Tentando se livrar da camisa de força. O senhor nem imagino o trabalho que dá para escapar daquilo, quem inventou era um gênio. A imobilização é feita de um modo tão perfeito que...
Niestévisky: (interrompendo as divagações do Antenor) Não acredito, você fugiu e prendeu todo mundo?!?!
Antenor: Ora, claro que não seu Niestévisky! Os internos é que fizeram isso, quando eu cheguei já estava todo mundo preso. Quer dizer, todo mundo que estava solto estava preso e todo mundo que estava preso estava solto. Seu Niestévisky, posso perguntar uma coisa?
Niestévisky: … pergunte...
Antenor: como se desliga o aparelho de choque?
Niestévisky: (gritando) O quê?!?!
Antenor: Nada, deixa pra lá, acho que agora é tarde mesmo...
Niestévisky: Jesus Cristo!!!
Antenor: Ele saiu, disse que ia dar uma caminhada sobre o lago para esticar as pernas. Mas espera um pouco aí, que vou chamar alguém.
Hospício: Alô.
Niestévisky: Alô, quem fala?
Deus: Sou eu Deus. O senhor queria falar com o meu filho? Espero que ele não tenha feito algo errado, sabe, ele já tem 33 anos mas ainda continua sendo um menino.
Niestévisky: Ai meu Deus!
Deus: Isso, eu mesmo, o que deseja?
Niestévisky: Nada! Chame o Antenor de novo.
Deus: Desculpe, mas não dá.
Niestévisky: Por que não dá?!
Deus: Aqui não tem telefone.
Niestévisky: (lamentando para si mesmo) Ai, que vida desgraçada... o que eu fiz de errado para merecer isso?... mas que inferno!!!
Deus: Desculpe, esse é outro departamento. Só um minutinho que vou passar para lá.
Hospício: Alô.
Niestévisky: Alô! Quem fala?
Diabo: Eu sou o Diabo, ao seu dispor. Ofereço 100 reais e uma bicicleta.
Niestévisky: Oferece 100 reais no quê?!
Diabo: Ora, na sua alma. E já vou logo dizendo que não adianta pedir mais porque a oferta de almas anda muito grande e fez cair os preços. É a lei da oferta e da procura!
Niestévisky: Eu não quero vender nada!
Diabo: Então por que ligou?
Niestévisky: Por nada, esquece! Coloca o Antenor ao telefone.
Diabo: Não dá, aqui não tem telefone.
Niestévisky: Merda!!!...
Diabo: Sinto muito, acabou de sair. Entrou no vaso e deu a descarga.
Niestévisky: (tentando manter-se calmo diante do absurdo daquela situação, fala calmamente) Tá, tudo bem... Então me diga uma coisa, se não tem telefone como nós dois estamos conversando?!
Diabo: Sei lá, provavelmente você deve ser fruto da minha imaginação. Isso acontece às vezes, sabe, é que eu sou meio louco e ouço vozes com frequência.
Niestévisky: Olhe para a sua mão, não tem um telefone nela?
Diabo: Desculpe mas não estou encontrando.
Niestévisky: Não encontrou o telefone?
Diabo: A minha mão.
Niestévisky: (bem desanimado e beirando ao desespero) Mas que filho da... olha aí, na ponta do seu braço...
Diabo: Nossa, é verdade, está aqui mesmo. Como ela veio parar aqui? Foi você que fez isso? Ah já sei! Você deve ser Jesus, só pode ser, com essa mania de fazer milagres... Está me passando trote de novo moleque? Vou contar para o teu pai!
Niestévisky: Ai meu Deus...
Diabo: Só um momento, vou chamar.
Niestévisky: Não! Espera...
Deus: Alô.
(barulho de telefone desligando ao ser atirado contra a parede)
Deus: Ô Diabo, desligaram. Quem era?
Diabo: Sei lá, acho que era só alguma alucinação desocupada enchendo o saco.

Comentários

Luiza Helena disse…
Papo de filósofo é outro departamento, ne?
Muito bom estar por aqui!!
Parabéns Nies, por me dar momentos de soltas e alegres garagalhadas!!!
Bjus da Lu.
PAZ disse…
Niestévisky, o "Grande", você tem o dom de divertir e fazer pensar...Muito obrigada pelas boas sensações que a leitura de seu texto me trouxe. Beijo, Lucia
Ever disse…
Très bien, Maître!

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